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FIM DA ESCALA 6x1 - Reduzir a jornada e organizar as e os trabalhadores precarizados

Por Afrânio Castelo


A luta pelo fim da escala de trabalho 6x1 tem ganhado cada vez mais espaço na luta política brasileira, chegando agora ao Congresso Nacional, com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) apresentada pela deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), a partir da demanda do movimento Vida Além do Trabalho (VAT).

 

Essa importância não é um acidente. A luta pela jornada de trabalho condensa as principais contradições do sistema capitalista, uma forma social em que “a riqueza atual está baseada sobre o roubo de tempo de trabalho alheio”, na definição breve e brilhante dada por Marx nos Grundrisse.

 

Nessas poucas palavras, está contida a verdade do capitalismo e o sentido mais imediato da luta de classes: a luta pelo tempo. Para o capitalista, quanto mais o trabalhador produz, maior a riqueza apropriada pelo patrão. O coração do sistema, assim, pulsa em torno de quanto tempo o capital é capaz de obrigar o trabalhador a produzir valor e de como essa produção de valor se divide entre lucros e salários. Para o trabalhador, é o tempo para viver e desenvolver suas capacidades que é roubado, de forma que sua vida passa a ser limitada a servir ao capital.

 

Não à toa, é em torno da luta pela redução da jornada de trabalho que o movimento operário se reorganizou internacionalmente após o refluxo que se seguiu à derrota da Comuna de Paris, atingindo novos patamares de mobilização e organização. Serão os quinze anos entre os fuzilamentos dos comunardos e o enforcamento dos mártires de Chicago que definirão a transformação do movimento operário em uma tremenda força social, “mobilizada num único exército, sob uma única bandeira, por um único objetivo imediato: a fixação legal da jornada legal de  trabalho”, como celebrou Engels.

 


Os três Oitos e nossos Mártires

 

“A partir de hoje nenhum operário deve trabalhar mais de oito horas por dia.

Oito horas de trabalho! Oito horas de repouso! Oito horas de educação!”

 

É com essas palavras grafadas em grandes cartazes que as grandes cidades dos Estados Unidos amanhecem no 1º de maio de 1886. A decisão havia sido tomada um ano e meio antes, em novembro de 1884, quando os representantes da classe trabalhadora norte-americana, reunidos em um congresso da American Federation of Labor (AFL), na cidade de Chicago, decidiram marcar para essa data uma poderosa greve geral pela jornada de oito horas.

 

Foi em Chicago que a batalha foi mais sangrenta. Com a greve geral prolongando-se sem trégua por vários dias, os patrões organizam a repressão aos grevistas. No dia 3, a polícia investe contra os grevistas de uma gráfica e atira sobre eles: seis mortos, cinquenta feridos e centenas de presos. A greve geral prossegue e um grande ato é convocado para o dia seguinte, que acaba em um banho de sangue. Uma bomba é lançada na multidão, atingindo operários e policiais, que passam a atirar em todas as direções. Nunca se pôde contar o número de mortos daquela tarde, mas a máquina da “Justiça” foi rápida: sete líderes operários são presos; um oitavo, que havia conseguido escapar da prisão, se apresenta no tribunal: “Vim para ser condenado, Excelência, com meus companheiros inocentes”. Ao fim do julgamento, cinco operários foram condenados à pena de morte. Dos condenados à morte, um consegue suicidar-se, mas quatro são enforcados, para alívio da burguesia. Com seu sangue, escreveram as leis que normatizam a jornada de oito horas a partir de então.


 

A jornada de trabalho na época da Automação e do Capitalismo de Plataformas

 

Nos primórdios da Revolução Industrial, o dia de trabalho escalava as 12 horas ou mais, desconhecendo gênero ou idade. Após a greve geral de 1886, foram necessárias décadas de luta para que se generalizasse a jornada de oito horas. Enquanto isso, a produtividade do trabalho, empurrada pela inovação tecnológica permanente, não parou de crescer, sem que as condições de salário e trabalho da classe trabalhadora, incluindo aí a redução da jornada, chegassem sequer perto de acompanhar esse ritmo. Pelo contrário, a tendência para a redução das taxas de lucro que acompanha o desenvolvimento do capitalismo impele os patrões a procurar sempre ultrapassar todas as barreiras da exploração. O bilionário chinês Jack Ma, dono da gigante do e-commerce Alibaba, por exemplo, não se acanha em propor para hoje o “sistema 996”, ou seja, uma jornada das 9 da manhã às 9 da noite, seis dias na semana. Está evidente a contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas e as relações sociais de produção, cada vez mais difíceis.

 

Enquanto as próprias relações capitalistas testam seus limites com a automatização de empresas e estabelecem novas formas de subordinação do trabalho, por meio de empresas do tipo plataforma, como o Uber e assemelhadas, as relações entre Capital e Trabalho ficam ainda mais veladas. Nesse tipo de relação mediada pela tecnologia, o trabalhador “adere” ao capital quase alegremente, acreditando ser “patrão de si mesmo” e ter o “controle do seu dia”, quando passam a exercer jornadas sem vínculos reconhecidos, respeito aos limites legais nem direitos sociais regulamentados. Mesmo para trabalhadores de setores tradicionais, a reorganização capitalista que envolve tais mudanças e a incapacidade do sistema superar uma profunda crise têm gerado situações cada vez mais regressivas, como o contrato zero hora, o aumento da jornada tradicional e a realização de diversas tarefas.

 

Nessas condições, o debate sobre a redução e regulação da jornada de trabalho pode, novamente, cumprir um papel fundamental na denúncia do sistema capitalista e na mobilização dessa camada de trabalhadores e dos trabalhadores precarizados, em geral, que cresce exponencialmente em um contexto de pouca experiência de luta ou cultura de classe, dado o avanço do próprio capital como uma cultura e suas promessas de liberdade, no neoliberalismo.

 

Essa fração gigantesca da classe trabalhadora não irá organizar-se ou chegar à consciência de classe de forma espontânea. Assim como no tempo das lutas pelos três oitos, é preciso que os grupos organizados dediquem energia política à organização do precariado, indo além de mensagens em grupos de WhatsApp e redes sociais, através da distribuição de panfletos, agitação nos seus locais de concentração, convites para reuniões etc. É preciso sair da constatação que esse setor está sob forte influência da ideologia dominante e dirigir o trabalho político para a participação em suas fileiras.

 

A palavra de ordem justa ajuda muito, mas sem essa dedicação militante não haverá movimento de classe entre uberizados e precarizados.


 

Fortalecer a luta contra a jornada 6x1 para além da PEC

 

No Brasil, contrariando a tendência à adaptação das centrais e sindicatos, a luta pela redução da jornada ganhou impulso, na forma de luta contra a jornada 6x1. Trata-se de uma luta que apenas agora  começou a ganhar espaço, mas que abre um importante caminho para chegar aos setores mais explorados do capitalismo contemporâneo.

 

Essa luta, entretanto, ainda merece mais discussão e elaboração, para que seja compreendida devidamente pelo conjunto da classe, incorporando diretamente precarizados e uberizados, indo além da denúncia do trabalho como fonte do esgotamento físico e mental e fazendo do debate sobre a jornada a porta de entrada de uma crítica mais completa e radicalizada do capitalismo contemporâneo.

 

Esses limites aparecem expostos no próprio texto da PEC. Apesar de apresentada como contrária à escala 6x1, a PEC é, na verdade, uma proposta de redução geral da jornada de trabalho, das atuais 44 para 36 horas semanais, a ser cumprida em escala 4x3 de 8h diárias, que soma uma jornada de 32 horas semanais, misturando escala com horas trabalhadas. Aliás, a escala 6x1 não é a única escala vigente na jornada atual. Muitas categorias, como trabalhadores da saúde, têm escala de 12x36 e até 24x72 horas.

 

Essa imprecisão pode dificultar a compreensão exata da proposta por parte do conjunto dos trabalhadores e trabalhadoras, como os que trabalham em escala que não seja a 6x1, já está sendo explorada pela direita (vide declarações do deputado federal bolsonarista Nikolas Ferreira (PL-MG) e até mesmo por integrantes do governo Lula para deslegitimar a proposta e desmobilizar a luta.

 

No entanto, isso não diminui o mérito nem as potencialidades dessa pauta. O momento é de organizar o movimento, com a criação de comitês de luta pela redução da jornada de trabalho, fazendo dessa pauta uma grande oportunidade para retomar as melhores lições e práticas da luta de classes, enfrentando praticamente as ideias pró-sistema que encontram-se disseminadas nos setores mais empobrecidos e precarizados da classe trabalhadora brasileira, lançando as pontes para uma renovação decisiva na capacidade da esquerda em travar a luta de classes nas atuais condições históricas.


 

Afrânio Castelo, militante da Insurgência RD e organizador do Fórum de Defesa do Trabalho Decente Ceará.

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